Eclipse Oculto
Marc do Nascimento
Belizário Galeria
17 de junho a
22 de julho de 2023
english below soon
Eclipse Oculto
"O mundo começou por significar antes que soubesse o que ele significava." Deleuze e Guatarri, Mil Platôs
Antes de tudo, o Pico do Jaraguá apenas era. Era horizonte, se visto há distância. Era uma delimitação arbitrária de uma natureza intocada. Era um território habitado, sem consciência de sua própria dimensão. Ele continuaria apenas sendo, se não fosse a invenção daquilo que o dimensiona em parâmetros calculáveis. O Pico ainda é tudo isso, mas é também tudo que se cria em torno dele. É o conjunto de elaborações de uma cultura específica sobre um local que, a princípio, só se propôs a ser. O que ele se torna, agora, já se transfigura a partir de todas essas elaborações humanas. São esses elementos que transformam o Pico do Jaraguá no que ele é hoje, e que, acima de tudo, o quantificam, mensuram, o transformam de paisagem; de monumento; de território a mapa.
O processo de transformação do Pico do Jaraguá em dados é um procedimento de virtualização que tenta, de alguma forma, nos fazer dar conta do que ele é. Uma busca de entendimento. O dado vira uma representação por-vir e enquanto número se faz, de alguma forma, compreensível. Marc do Nascimento, ao pegar a forma do número, agora estratificado em linhas sobrepostas que indicam uma altura, e ao alterar, ao pôr em nova perspectiva, ao repensar a sua forma, nos apresenta um outro Pico. Uma maneira de ver o que o dado se propôs a analisar. É assim que a série Montanha Pulverizada se apresenta. As linhas cravejadas no polietileno preto são novas perspectivas que desterritorializam o dado mensurável do Pico. O mapa topográfico se transfigura em desenho: ponto, linha e forma.
Um desvio, um deslocamento, um convite à uma outra forma de olhar.
As placas, entendidas como comunicação urbana, também são formas de se fazer compreender o território. São linhas que delimitam as diferenças da cidade. Fazem ver o que é uma coisa e o que é outra. Tentam orientar um olhar desorientado, perdido no jogo lúdico de uma deambulação zonza. Como se perder em uma cidade orientada pelo Waze, pelo Google Maps?
Antes informativa, agora, na série Grundrisse, essa sinalização é destituída de qualquer indicativo de seu primeiro significado. As placas coletadas são cortadas e reorganizadas, num procedimento que reforça o deslocamento. É como se subitamente tivéssemos desaprendido a ler o que ela nos informa. Somos tomados por uma estranha familiaridade, como se já tivéssemos nos orientado por elas e agora apenas nos lembramos do trajeto com um certo distanciamento. É uma reconfiguração da informação ali antes contida, agora apresentada de forma nova.
Um ainda outro entendimento é apresentado no desdobramento recente desse processo, na série "Um lugar para nós", quando a placa se torna chapa crua de inox, recortada e reconfigurada ainda pela disposição de suas partes, ora de inox escovado, ora de inox polido. Nesse momento, talvez mais ainda do que a informação em si reconfigurada, como nas obras feitas a partir das placas coletadas na rua, se evidencia as alternâncias e as superposições de um material a outro, ou até mesmo do material em si mesmo, a partir dos recortes.
Em Eclipse Oculto, ao deslocar dos dados e da informação o seu referente, Marc do Nascimento se posiciona deslocado e também nos faz assumir a mesma posição. O eclipse, que já é por si só um processo de ocultamento, se configura como um duplo. A montanha, o Pico do Jaraguá, é ocultado pelos dados que se propõe a descrevê-lo. A informação da placa se torna inalcançável pelo deslocamento de seu sentido. Um convite à errância, a se sentir estrangeiro: só assim conseguimos atingir novos significados a partir de índices que nos são impostos pela sua apresentação.
Hidden Eclipse
Soon