Fissura e Vestígio
Anália Moraes e
Mariano Barone
Gruta
2023
english below
Title
Pelo próprio modelar, pequenas rachaduras se formam no barro. A água evapora e torna o toque, antes macio, áspero. A argila quando seca deixa as imperfeições ainda mais visíveis. O calor contrai a forma e racha. A mão que modela a argila se faz presente nos toques que dão volume, que moldam, que unem uma parte a outra, que colam, que partem. Do vazio se faz a forma, se preenche o espaço. Do barro se forma o objeto. A fissura surge espontânea. É devir do próprio material. Do processo, se cria o vestígio.
Vestígio dos dedos, dos traços, dos riscos, das formas. A cada queima, uma camada se sobrepõe à outra. Uma nova textura, um novo toque, um brilho diferente. Por entrecamadas os rastros ora se fazem aparentes, ora se escondem.
Anália Moraes e Mariano Barone trabalham na série intitulada "Contramolde" a partir dos tensionamentos entre essas duas intenções. O processo de fossilização que dá título a série se refere ao acúmulo de minerais onde outra vez houve matéria orgânica. São sedimentos, estratificações, que formam objetos de uma arqueologia ficcional.
As obras em cerâmica, pintadas à mão, são elaboradas em potência dupla. Anália modela, Mariano pinta. Anália exibe a fissura, Mariano a oculta. Mariano arranha o vidrado com ponta seca e revela a camada anterior. Anália queima a peça e deixa aparecer a transparência entre as sobreposições. Anália esconde as fissuras, Mariano expõe os seus vestígios. Os desenhos de Mariano reforçam o processo gestual da modelagem das cerâmicas por Anália. Nessa dupla potência, as camadas se sobrepõem, se escondem, se revelam.
Em paredes opostas são apresentadas obras que, apesar de não serem elaboradas pelos artistas em conjunto, dão também indícios das influências do processo de desenvolvimento de "Contramolde". São momentos em que transparecem, nas produções individuais dos artistas, os artifícios que são catalizados no processo de criação dupla.
As pinturas em pequeno formato de Mariano Barone trazem desenhos de traço solto riscados com uma ponta seca sobre o óleo e desvelam camadas sobrepostas. A cor é ao mesmo tempo superfície, fundo e matéria. É como riscar a argila ainda molhada e ver aos poucos ela voltar para o lugar, assentando a fissura.
As cerâmicas de Anália evidenciam os processos do seu próprio fazer. As camadas de vidrado não são uniformes, se posicionam de modo que revelam a intenção da artista em fazer ver as decisões do material. O contraste entre a textura seca e o vidrado brilhante ou a fusão do vidro sobre a cerâmica trás a superfície das peças os processos envolvidos em sua elaboração. A cada escolha, em cada queima, um outro vestígio do material se deixa aparecer.
Há uma similaridade entre estas elaborações: a ponta seca é riscada no vidrado e revela o barro; o risco na tinta óleo expõe a sua profundidade; as rachaduras espontâneas se fazem aparecer durante o processo de queima; a mão imprime marcas ao modelar. Criam-se fissuras, encontram-se os vestígios do gesto.