Chico Soll
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Curto-Circuito
Gabriel Pessoto
Texto escrito para a Fundação Ecarta, como material complementar à exposição Ambiente Moderno.
Publicado também na revista "Ambiente Moderno".
english below soon
No texto de divulgação da
exposição “Ambiente Moderno”, de
Gabriel Pessoto, o curador Gabriel
Bogossian descreve algumas obras
do artista como sendo uma espécie de
“pequeno curto-circuito de técnicas”.
Minha reflexão acerca da produção de
Pessoto partia já, mesmo antes de me
propor a desenvolver o presente texto,
de uma análise dos processos de
hibridação presentes em suas obras,
principalmente as que são elaboradas
a partir de uma relação entre o ponto-
cruz dos bordados e a digitalização
das novas mídias.
Essa hibridação, esse “curto-
circuito”, como Bogossian tão bem
descreveu, parece surgir no trabalho de
Pessoto em um contexto que Marshal
McLuhan descreve como sendo
uma resposta a ambiência das novas
mídias no processo de assimilação
destas pela contemporaneidade.
McLuhan diz que são os artistas
os primeiros a se aventurarem por
essas tecnologias e que os fazem
através de uma assimilação de seus
procedimentos por meio de formatos
já conhecidos no imaginário popular.
Essa transdução de uma nova mídia
em uma linguagem já assimilada
torna o processo de compreensão
desse choque menos doloroso, mais
familiar. No trabalho de Pessoto, esse
processo é visível pela ressignificação
dos materiais, como apresentado na
instalação “mesa” - que toma o tecido
como papel, e a louça como tecido -, e
pela reapropriação dos procedimentos
digitais pelos trabalhos que utilizam o
ponto-cruz como modo de construir
imagens análogo ao do píxel (ou talvez
quando usam o píxel como ponto-
cruz).
O processo de hibridação entre o
píxel e o ponto do bordado, entretanto,
ocorre de uma forma complexa, ainda
que possa nos parecer uma simples
relação formal entre as técnicas.
Para compreender a profundidade
na qual é criada essa assimilação
entre píxel e ponto-cruz é preciso
recorrer a uma análise do artista
francês Edmond Couchot sobre
esse ponto final constituinte das
imagens digitais. O píxel representa,
para o Edmond, a total hibridação
entre tecnologias televisivas e as de
cálculo computacional, gerando uma
imagem que se apresenta como ótica
- tal qual a fotografia analógica, ou a
própria câmera obscura que projeta
a perspectiva para a pintura -, mas
que carrega em sua morfogênese
todo automatismo do cálculo e da
simulação computacional. É esse
mesmo tipo de hibridação que vemos
no trabalho de Gabriel Pessoto, mas
dessa vez tomando o bordado como
processo orgânico em contrapartida
ao processo digital.
A hibridação, vale lembrar,
ocorre de forma simétrica nas obras
de Gabriel Pessoto: ela é tanto o
processo digital circunscrito no
“artesanal” do bordado quanto o
processo do bordado transposto ao
digital. O artista deixa explícita essa
relação quando recorre ao modelo
de instruções do bordado para criar
o vídeo “Flor Singela”. Cada vídeo,
extraído de pornografia vintage,
funciona como um ponto porvir
para o desenho; cada ponto deste
é formado por imagens compostas
por píxels, calculadas e inseridas em
um contexto de simulação. Segundo
Couchot, nenhuma imagem digital
corresponde mais a um objeto/sujeito
real: é sempre um simulacro gerado
pelas instruções dos códigos que
formam as imagens. Quando Pessoto
sobrepõe o píxel dos vídeos formando
uma matriz na talagarça do bordado
há uma meta-instrução em ação: os
códigos que formam a imagem digital
e o código da receita do bordado
porvir.
Gabriel Pessoto nos deixa
claro que há um forte interesse por
uma materialidade. Esta, então, é
reconfigurada de uma maneira que,
ao mesmo tempo que possa causar
algum tipo de estranhamento, também
remete a um local de conforto. Tal
conforto se deve a essa hibridação;
a esse processo de assimilar as
materialidades e as temáticas; de
reconhecer ali tanto os procedimentos
que já nos são familiares quanto os que
ainda estão em desenvolvimento; bem
como ao esmaecer a representação
explícita do que a intimidade esconde.
Soon
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